SOBRE MÚSICA, CEBOLAS E YOGA
Texto da profa. Eliane Oliveira


https://youtu.be/mnqrbnxvzOc

"Há de se lembrar que você sempre foi integração: Yoga." 






 
O nome é Polifonia. Diálogo entre duas ou mais vozes.

Fácil de observar ao piano: a mão esquerda dedilha notas e ritmos diferentes daqueles dedilhados pela direita. Por um lado, as notas em cada mão são livres e diferentes entre si. Por outro, cada uma, preservando seu cada qual, mistura-se simultaneamente com outra, deixando de ser “cada” para virar um todo, voz maior, terceira - a própria música. Se eu erro uma única nota ao tocá-la, a música toda se ressente. Porque cada nota carrega em si a música inteira, apesar de ser nota. Cada nota é o todo, apesar de ser parte. Há um acordo entre os lados: para um inteiro de música existir, eles devem ser cúmplices. Dá pra imaginar o que ambos os lados pensariam se pensassem: “vale a pena abrir espaços em mim mesmo para abrigar um outro totalmente outro em prol de uma síntese, que não mais será nem “eu” nem o “outro”, mas um “nós”, um completo - a música”. Sobre as teclas, note: a cena seria apenas caótica se o resultado melódico e harmônico não fosse tão sublime. Música Barroca. Essas que toco são de J.S. Bach. Século XVII. Invenção a duas vozes (Convido-os a me acompanhar ao piano após ler esse texto. Entenderão melhor o que me inspirou a escrevê-lo. Os links do youtube estão no final).

Tenho predileção por elas.

Gosto do ato amoroso de suas notas, que, desapegadas de si, buscam o mútuo entendimento e se arrumam em harmonia, apesar da sua pluralidade. A combinação que criam juntas é uma essência, um núcleo, um algo que resta como mais importante para as duas em meio ao amplo universo de coisas mais importantes para cada uma. Aquilo sem o qual – sabem elas - não é possível nenhuma prescindir, pois que é sagrado para ambas.

Gosto do que nelas é, ao mesmo tempo, visceral, passional, intenso, abissal, espiritual. Soam-me como metáfora das combinações que nos fazem humanos – essencialmente plenos, e também precários, provisórios, oscilantes entre desejos e aversões.

Lembram-me também meus alunos de yoga quando começam a se aprofundar na prática. A certa altura, percebendo que yoga não é apenas um exercício físico, mas um trabalho mais profundo que mexe internamente com eles (psíquica, emocional e espiritualmente falando), querem ter explicações sobre o que afinal está acontecendo. Essa é a hora de evocar a boa e velha imagem da cebola para ensinar algo da filosofia que nos orienta:

“Pense numa cebola. Imagine que você é essa cebola, um todo feito de cascas e miolo. Para nós do yoga, você, pleno e realizado, é o perfeito entendimento entre você-cascas e você-miolo. Você-miolo é uma espécie de coração da cebola que interioriza suas cascas. Você-cascas é a ponte que exterioriza o seu miolo para fora das suas cascas. De modo que miolo e cascas, integrados, comunicando-se, já não são nem miolo nem cascas, mas cebola. Não há dualidade entre eles, mas unidade.­

Acontece que você, que é cebola (um todo), não se reconhece como cebola, mas como cascas e miolo separados. Você é ignorante de você-inteiro. Você entende suas cascas como escudos protetores de seu miolo e não como pontes para ele, e concebe seu miolo como algo que deve ficar protegido por suas cascas, e não ser ponte para elas. Repare: cascas que defendem miolo das adversidades da vida são as mesmas que também o defendem do que existe além das adversidades, incluindo as bonanças e as boas surpresas. Miolo, que é protegido pelas cascas, não pode influenciá-las nem se manifestar livremente através delas, mantendo-se adormecido e inerte no profundo delas. Em palavras mais diretas, o medo que você tem de confiar, de se entregar, de se revelar, de se expor, de (se) (re) inventar evita sofrer o fracasso e a dor, mas evita também a possibilidade do acerto, do desfrute, do receber, de ser feliz. Há uma separação em si mesmo que o faz desconhecer-se de si mesmo. E, enquanto for assim, você será sempre apartado, parte sem todo, mesmo que você-todo já esteja potencialmente em você.

Como o yoga pode ajudar? O yoga ajuda estimulando a integração (yoga=integração) das cascas com miolo para que a cebola se realize como cebola (você todo). Os lados que compõem alguma pessoa, tal como fazem a mão direita e a mão esquerda na polifonia musical de J.S Bach, devem estar dispostos ao diálogo. O segredo da plenitude do nosso ser é a combinação do complexo de “vozes” - cascas e miolo - que nos compõem em nome de uma síntese. Como a polifonia das notas ao piano, a síntese, uma vez havendo, transcenderá “cascas” e “miolo” e revelará o completo que sempre esteve ali - a própria cebola. Você.”

Daí que concluo para o aluno:

“O que está acontecendo com você é que, mediante trabalho físico e energético, vagaroso e amoroso, suas defesas, medos, egoísmos e apegos (cascas) estão ficando menos rígidos, começando a servir como pontes e não como obstáculos para passagem da energia abundante (miolo) que já existe em você. Somente com polifonia, será possível corpo ser energia e energia ser corpo, sem dualidades, sem conflitos. Ao longo do tempo - desejamos e acreditamos -, há de se lembrar que você sempre foi integração: Yoga. 

OM. Isto é pleno. Aquilo é pleno. Do pleno surge o pleno. Se retirarmos do pleno tudo aquilo que é pleno, mesmo assim, o que permanece é pleno. (Cântico Védico, Purnamadah, In: Isa Upanishad)

Acompanhe-me ao piano tocando as músicas de J.S. Bach:

(IMPORTANTE - setembro 2017): Amig@s, removi os vídeos com músicas em que tocava piano e que havia postado no meu canal do youtube em 2016 e início deste ano. Eram gravações que tinham, pra mim, muita carga emocional e memória afetiva de uma história de amor sonhada e não realizada, bem como do lugar onde morei nos seis últimos anos. Era importante deixá-las irem. Confiar que tudo é o que deve ser, e continuar a caminhar na vida, sempre com Deus guiando. Explico melhor no texto a seguir: https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=1743988009188732&id=1459086691012200 

No lugar, postei uma música gravada em 2008 em que canto acompanhada pelo piano de Alan Warszawski, Confira! Obrigada, Eliane Oliveira

INVENÇÃO A DUAS VOZES no 4: 
https://youtu.be/mnqrbnxvzOc

INVENÇÃO A DUAS VOZES no 1: 
https://youtu.be/M3FhM3kGSzc 


Outras: https://www.youtube.com/user/Eliane1057

Comentários a esse texto: eliane.martins.oliveira@gmail.com
 
Espaço Uddiyana Yoga - Rua Almirante Tamandaré, 66/525 - Flamengo RJ

Comentários

Postagens mais visitadas