QUINTA PRÁTICA PARA O CULTIVO DA FELICIDADE 
Thich Nhat Hanh - mestre zen budista

Discernimento




"Discernimento significa ver o que está presente."




Com atenção plena, reconhecemos a tensão em nosso corpo e queremos muito solta-la, mas às vezes não podemos. O que precisamos é obter um pouco mais de discernimento.

Discernimento significa ver o que está presente. É a clareza que pode libertar-nos de aflições como ciúme ou raiva, e permitir que a verdadeira felicidade apareça. Todos nós possuímos o dom do discernimento, embora nem sempre o usamos para favorecer nossa felicidade.

Podemos saber, por exemplo, que algo (um forte desejo, ou rancor) é um obstáculo para a nossa felicidade, e que isso nos conduz à ansiedade e ao medo. Mas também sabemos que essa coisa não vale o sono que estamos perdendo por causa dela. Ainda assim, perdemos nosso tempo e energia com essa obsessão. Somos como um peixe que foi capturado uma vez antes e descobriu que há um anzol escondido sob a isca; se o peixe for capaz de usar essa descoberta esclarecedora, ele não vai morder porque sabe que vai ser capturado pelo anzol.

Muitas vezes, mordemos a isca de nossos desejos ou rancores, e deixamos o anzol nos capturar.

Ficamos seduzidos e presos a estas situações que não são dignas de nossa atenção. Se a plena consciência e concentração estão presentes então o correto discernimento também estará, e poderemos usá-lo para nos afastar bem longe, livres.

Na primavera, quando há muito pólen no ar, muitos têm dificuldade para respirar devido a alergias. Mesmo quando não estamos correndo 8km e só queremos sentar ou deitar, não conseguimos respirar muito bem. Então no inverno, quando não há nenhum pólen, em vez de reclamar do frio podemos lembrar que em abril ou maio não podíamos ir ao ar livre de forma alguma. Agora nossos pulmões estão limpos, podemos dar um passeio estimulante lá fora e respirar muito bem. Nós conscientemente resgatamos nossa experiência do passado para nos ajudar a valorizar as coisas boas que estamos obtendo neste momento.

No passado podemos realmente ter sofrido muito por uma coisa ou outra. E isso pode mesmo ter sido uma espécie de inferno. Se nos lembrarmos daquele sofrimento, não nos deixando sucumbir por sua memória, podemos usá-la para nos reassegurar, "Como sou afortunado. Não estou mais naquela situação.

Eu posso ser feliz — isso torna-se uma experiência de esclarecimento; e nesse momento, nossa alegria e nossa felicidade podem crescer muito rapidamente.

A essência da nossa prática pode ser descrita como transformar o sofrimento em felicidade. Não é uma prática complicada, mas nos obriga a cultivar plena consciência, concentração e clareza de discernimento [insight].

Antes de tudo requer que voltemos a nos abrigar em nós mesmos, que façamos as pazes com o nosso sofrimento, tratando-o com ternura e contemplando profundamente as raízes de nossa dor. Requer que saibamos nos libertar de sofrimentos inúteis, desnecessários, e observemos com cuidado nossa concepção de felicidade.

Finalmente, requer que nós saibamos nutrir a felicidade diariamente com reconhecimento, compreensão e compaixão por nós mesmos e por aqueles à nossa volta. Oferecemos estas práticas para nós mesmos, nossos entes queridos e para toda comunidade.

Esta é a arte de saber como sofrer e a arte da felicidade. A cada respiração, aliviamos o sofrimento e geramos alegria. A cada passo, a flor do esclarecimento desabrocha.

Thich Nhat Hanh. 
Cinco Práticas para o cultivo da Felicidade. In: No Mud, No Lotus: The Art of Transforming Suffering, United Buddhist Church, 2014.

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