PELE ADENTRO
História Natural dos Sentidos, Ed. Bertrand, 2000


 














Cada dia temos a possibilidade de conhecer e deixar que nos conheçam também por dentro de nossa pele, através do tato e do contato, que despertam emoções profundas.”

Nossa pele é uma espécie de traje espacial que portamos numa atmosfera de gases ásperos, raios cósmicos, radiações solares e obstáculos de todo tipo. Há anos li que um menino tinha que viver numa bolha (desenhada pela NASA) devido a debilidade de seu sistema imunológico e de sua suscetibilidade às enfermidades. Todos somos este menino. A bolha é nossa pele. Mas esta pele também está viva, respira e excreta, nos protege das radiações perigosas e do ataque dos micróbios, metaboliza a Vitamina D, nos isola do calor e do frio, se repara a si mesma quando necessário, regula o fluxo sanguíneo, atua como um marco para nosso sentido do tato, nos guia na atração sexual, define nossa individualidade e contém toda a carne e os humores dentro de nós, onde devem estar. Não só temos impressões digitais que são únicas, temos também uma disposição de poros que é única.

Nossa pele é o que se interpõe entre nós e o mundo. Basta refletir um pouco para nos darmos conta de que nenhuma outra parte de nós faz contato com algo alheio a nosso corpo. A pele nos aprisiona, mas também nos dá uma forma individual. O mais assombroso, talvez, é que pode reparar-se quando deve fazê-lo, e de fato está renovando-se todo o tempo. Com seu peso entre seis e dez quilos, é o maior órgão do corpo e pode assumir uma grande variedade de formas: garras, espinhos, cascos, plumagens, escamas, cabelo. É submergível, lavável e elástica. Ainda que possa deteriorar-se com a idade, envelhece notavelmente bem. Para a maioria das culturas é o lugar ideal para praticar a pintura, a tatuagem e a decoração com jóias.

Mas, o mais importante: aloja o sentido do tato.

A ponta dos dedos e a língua são mais sensíveis que as costas. Algumas partes do corpo são “cosquentas”, outras são “casquentas”. As partes mais peludas são geralmente mais sensíveis à pressão, porque há muitos receptores sensoriais na base de cada pelo.

O sentido do tato não está na camada externa da pele, mas na segunda. A camada externa está morta, se desmancha com facilidade. É por isso que nos filmes vemos ladrões passando lixa na ponta dos dedos antes de experimentar as combinações de um cofre: assim tornam mais fina a camada morta e deixam os receptores do tato mais próximos da superfície.

Em 1988, o New York Times publicou um artigo sobre o papel critico do contato no desenvolvimento infantil; nele se mencionava o “estancamento psicológico e físico de crianças privadas de contato físico, ainda que bem alimentadas e cuidadas”, o que era confirmado por um pesquisador que trabalhava com primatas e por outro que lidou com órfãos da Segunda Guerra Mundial. “Os bebês prematuros que foram massageados durante quinze minutos três vezes ao dia, aumentaram de peso quarenta e sete por cento mais rápido do que outros que se mantiveram isolados em suas incubadoras. (...) Os bebês massageados também mostraram sinais de que seu sistema nervoso estava amadurecendo mais rápido: eram mais ativos e respondiam mais a rostos e sons. Em média, as crianças massageadas saíram do hospital seis dias antes dos outros, não massageados.” Oito meses depois, os bebês massageados obtiveram resultados melhores nos testes de capacidade mental e motriz do que os que ficaram nas incubadeiras.

Saul Shanberg, um neurologista da Universidade de Duke, descobriu que os cuidados que a mãe proporciona às suas crias, lambendo-as e penteando-as, produz nelas verdadeiras modificações químicas; quando a cria foi apartada da mãe, diminuíram seus hormônios de crescimento.

Segundo Shanberg, algumas crianças que vivem em lugares emocionalmente destrutivos deixam de crescer. Shanberg descobriu que nem sequer as injeções de hormônios de crescimento podiam estimular os corpos dessas crianças para que voltassem a crescer. Por outro lado, um cuidado terno e amoroso sim, o podia fazer. O afeto que recebiam das enfermeiras quando eram admitidos num hospital bastava para que voltassem ao caminho do crescimento. Os animais dependem do fato de estar perto de sua mãe para a sobrevivência básica. Se se elimina o contato materno (que seja por quarenta e cinco minutos, nada mais, no caso das ratas), o bebê diminui sua necessidade de comida para manter-se com vida até que volte sua mãe. Isto acontece se sua mãe se afastou por um breve espaço de tempo ou se ela não mais voltar. Este metabolismo mais lento resulta numa parada do crescimento. O contato assegura o bebê que ele está a salvo parece oferecer ao organismo via livre para desenvolver-se normalmente. Em muitos experimentos se comprovou que os bebês que eram mantidos mais tempo nos braços se tornavam mais alertas e desenvolviam, anos depois, maiores aptidões cognitivas. É um pouco como a estratégia que adota num naufrágio: primeiro nos colocamos um salva-vidas e buscamos auxilio. (…)

Todos os animais respondem ao tato, às carícias e, de qualquer forma, a vida mesma não poderia ter se desenvolvido sem o tato, isto é, sem os contatos físicos e as relações que se formam a partir daí.

Na ausência de contato, as pessoas de qualquer idade podem adoecer e sentirem-se mutiladas. Nos fetos, o tato é o primeiro sentido que se desenvolve, e no recém-nascido é automático, antes que os olhos se abram ou o bebê comece a captar o mundo. Pouco depois de nascer, ainda que não possamos ver nem falar, instintivamente começamos a tocar. As células do tato dos lábios nos possibilitam mamar, e os mecanismos de fechamento das mãos começam a buscar calor. Entre outras coisas, o tato nos ensina a diferença entre eu e o outro, nos diz que pode haver algo fora de nós: a mãe. O primeiro conforto emocional é tocar nossa mãe e ser tocado por ela; e segue na memória como um exemplo definitivo de amor desinteressado, que nos acompanha por toda a vida.



História Natural dos Sentidos, Ed Bertrand
Tradução de Ralph Viana e publicado no jornal Nexus, nº 10 edição de abril de 2000

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