SER PROFESSOR DE YOGA
pelo yogue e professor de yoga Pedro Kupfer
O que deve um professor de Yoga cultivar?
Na verdade, esta pergunta já está respondida no código de conduta yoguica. São aquelas dez coisas que Patãnjali propõe, ou aquelas outras vinte que estão no código de conduta de Svatmarama, que estão na Hatha Yoga Pradípika. No mínimo dos mínimos o professor de Yoga deveria cultivar o código de Patãnjali.
Qualquer
código de conduta é baseado na importância que a sociedade dá ao
dharma e a regra de ouro do dharma é 'não faça aos outros aquilo
que não gostaria que eles fizessem consigo'. Portanto, ahimsa
é a base para tudo. Neste sentido, o professor de yoga precisa de
saber que ele é, em primeiro lugar, um yogi e, em segundo lugar, um
professor de yoga. Isto não pode ser invertido.
O
yogi deve então cultivar a não violência, no sentido em que todos
à sua volta não devem vê-lo como uma ameaça. Esta é a primeira
coisa que a pessoa deve cultivar, primeiro como ser humano, depois
como yogi e em terceiro lugar como professor. Sem ahimsa, não
há humanidade no ser humano.
Satya.
O professor tem de ser verdadeiro. Não pode dizer uma coisa e fazer
outra. Não pode haver incoerência entre o que se pensa, o que se
diz e o que se faz. Mas também isto é aplicável primeiro ao ser
humano, depois ao yogi e em terceiro lugar ao professor de yoga. A
questão é que este está numa situação peculiar, pois ocupa uma
determinada imagem na sociedade. Dentro da sala, o professor tem
poder, e é possível que os alunos idealizem e achem que ele é um
santo, coisa que ele não é. Ele é um ser humano normal como
qualquer outro, que aprecia as qualidades de um santo mas que, muito
provavelmente, ainda não se conseguiu estabilizar dentro destas
virtudes.
Se
formos olhar para os exemplos do passado, há muito poucos de conduta
irrepreensível. Apesar de tudo, sejam quais forem os problemas que o
professor de yoga tenha, nunca deveria derramá-los para dentro da
sala ou para cima de alguém. Isto é continência, que nos yamas
aparece como bramacharya em relação à conduta, e que no
código dos nyamas aparece como esforço sobre si mesmo ou
tapas, que é a capacidade de criar um limite para si mesmo, e
de crescer a partir desse limite.
Neste
contexto cabe ainda asteya, não tirar aos demais tempo,
energia ou emoções, e tão pouco permitir que os outros façam isso
consigo. Assim, na sua conduta o professor de yoga, também deve ser
parcimonioso ao não exigir dos outros professores, dos amigos, da
família, dos alunos o seu tempo, por exemplo.
Aparigraha,
que se traduz como satisfazer-se com o mínimo, e que pode ser
resumido com duas palavras - não possessividade - é outra questão
interessante para o professor de yoga cultivar. Todos nós,
naturalmente, queremos o mínimo, mas querer o mínimo e entendê-lo
não é a mesma coisa. Na medida em que o yogi estiver tranquilo em
relação à questão da abundância do Universo e estiver
sintonizado e aberto para ela, a prosperidade flui em direção a si,
isto está no Yoga Sútra - quando a pessoa se contenta em ter o
estritamente necessário, todas as riquezas fluem em sua direção.
Estes
são os primeiros cinco yamas de Patañjali que o próprio
afirma serem elementos universais, ou seja, eles deveriam ser
cultivados por todas as pessoas, independentemente de posição
social, de profissão, de tempo, de lugar ou de circunstância. O
professor de yoga especialmente deveria cultivar isto - coerência,
veracidade, honestidade e não-violência.
O
que é que um professor de yoga pode ter de sobra e o que não deve
ter nem um bocadinho?
Na
minha opinião, o professor de yoga não deveria ser chato. Ninguém
vai querer praticar com um professor chato. Não importa se a pessoa
sabe muito, fala bem, tem um belo sotaque. Não importa as palavras
que usa, o discurso, o currículo. O professor de yoga precisa de ser
um 'cara bacana', tem de ser uma pessoa de boa índole, de carácter,
que tenha abertura e simpatia para comunicar com os praticantes.
Swami
Vivekananda dizia 'cara feia não é sinal de espiritualidade mas sim
de disepsia'. Às vezes, vemos alguns jovens entusiastas e alguns
velhos 'avinagrados' assumirem uma postura absolutamente seca e
amargurada. Pode ser apenas uma opinião minha, mas se eu vejo que
Patãnjali fala em santosha e que Krishna fala a Arjuna de
kshanti, que é essa capacidade de estar tranquilo, de estar
em paz, de estar feliz por mais que a situação seja de
instabilidade, aceitando o fluxo do devir, então isto é o que não
deve faltar a um professor de yoga.
O
que distingue um professor de um praticante experiente e dedicado?
Para além da formação, ao primeiro colocam-se mais exigências?
Dependendo
daquilo que entendermos por experiente e dedicado, a diferença pode
ser apenas o fato do professor ensinar. Se este praticante é um yogi
e se o professor também é um yogi, a única diferença formal é
que um dá aulas de yoga e o outro tem outra atividade.
Não
diria que se coloquem mais exigências ao professor, porque um
praticante dedicado, um yogi, não vai ter uma conduta diferente da
conduta do professor, e espera-se, igualmente, que este também tenha
a conduta de um yogi. Portanto, neste sentido, não podem haver
diferenças. Se existirem, é pelo facto de o professor de yoga ter
assumido como adequado que todas as suas ações girassem em torno do
yoga, o que não quer dizer levar uma vida de yoga. Um praticante
sério e dedicado pode viver uma vida de yoga sem ser professor, sem
ter apenas amigos praticantes, sem frequentar apenas ambientes de
yoga, sem ser casado com um professor de yoga ou com outro
praticante... Viver uma vida de yoga é sermos capazes de aplicar o
ensinamento no quotidiano.
Onde
se situa a fronteira entre a liberdade individual do professor e
aquilo que ele deve representar, enquanto um exemplo a seguir pelos
alunos?
Esta
é uma pergunta delicada. Pessoalmente, eu acho que não poderia
haver nenhum milímetro de distância entre o que eu sou e o que eu
demonstro ser. Estas duas coisas deveriam estar completamente
coladas, de modo que, exercendo a honestidade, eu não esconda nunca
questões que ainda não resolvi. Não pode haver incongruência,
incoerência entre o professor e a pessoa. Não é sequer questão de
ser professor ou não, mas de ser um humano coerente, estabelecendo
uma coerência entre o discurso e a acção. O melhor exemplo que o
professor pode dar, então, é simplesmente ser coerente.
Na
tua perspectiva, qual a importância da prática pessoal para um
professor de yoga?
Como
ensinar a tocar violino sem saber quantas cordas tem um violino? Como
ensinar algo sem possuir uma certa familiaridade e intimidade com
aquilo que nos propomos a ensinar? Como se constrói um professor de
yoga? A partir de um praticante sério e dedicado. A prática pessoal
é fundamental porque dali vem o substrato com o qual se vai
construir as aulas que se dão. Esta prática vai evoluindo e a aula
é um reflexo de como está a prática pessoal do professor.
Observamos que quando há pouco tempo e muito trabalho a pessoas
sacrificam a sua prática pessoal. Mas o que entendemos por prática:
é fazer ásana, meditação, pranayma, é estudar, é aplicar o
estudo na vida quotidiana? Na vida de yoga, prática é ter um
momento do dia para a sua reflexão pessoal, para o seu estudo,
independentemente se isto é feito através de uma meditação, de um
pranayama, de uma saudação ao sol, o que for... Depois a aplicação
do ensinamento sobre o qual se fez a reflexão, na prática, vem para
o quotidiano e aí sim temos um yogi, que é coerente entre o que faz
e o que ensina.
Qual
a importância para um professor de yoga de conhecer a Índia?
Nenhuma.
Um professor de yoga pode ser um ótimo professor sem nunca ter
pisado a Índia. Um exemplo disso é Georg Feuerstein que foi pela
primeira vez à Índia há dois anos atrás e, no entanto, escreveu
mais de 30 livros sobre yoga.
Existe
aquela ideia de que ir à Índia funciona como uma pós-graduação.
Pela ordem: eu sou um praticante dedicado, depois torno-me
vegetariano, depois faço uma formação, dou aulas de yoga e faço
uma viagem de estudos à Índia. Uma viagem de estudos pode ser feita
para qualquer lugar. O conhecimento está onde estiver o professor,
não necessariamente na Índia, principalmente nestes tempos
globalizados em que vivemos. A Índia em si não tem o yoga, o yoga
está na Índia como em muitos outros lugares.
Como
hoje em dia existe aquela popularização massiva do yoga no
Ocidente, muita gente viaja para a Índia em busca do yoga, tendo lá
surgido uma nova geração de professores ambiciosos que não são
honestos e que querem enganar estas pessoas. Quando fui à Índia
pela primeira vez, tive dificuldade em arranjar bons professores.
Algum
tempo depois, fiquei com dúvidas e decidi voltar para lá para
reaprender tudo o que sabia, porque algumas coisas percebia que
estavam equivocadas, para me reprogramar com alguém que me
corrigisse tudo. No primeiro dia, encontrei logo aquele que seria o
meu professor. Hoje em dia, não é tão fácil. Recebo muitos emails
de pessoas que dizem que vão para a Índia sem expectativas, de
mente aberta, à espera que algo de mágico aconteça, mas
geralmente, se a pessoa não prepara a viagem frustra-se. A Índia
dos livros de fotografia não é a Índia, mas um pequeno ângulo
dela.
Hoje
em dia, os professores que se encontram na rua e que oferecem aulas
de yoga ou sámadhi instantâneo, em 90% dos casos, querem enganar as
pessoas. Há menos de 10% de chance de encontrar um professor bom e
honesto. O fato de estar na Índia não ensina yoga a ninguém. Pode
ser uma experiência de vida, uma experiência gastronômica,
musical, mas se o objetivo for yoga, é necessário preparar-se
antes, pesquisar, interrogar, pedir conselhos...
Trecho
da entrevista do yogui e professor Pedro Kupfer
http://www.yoga.pro.br/artigos/783/3015/a-vida-do-professor-de-yoga
http://www.humaniversidade.com.br/boletins/vida_do_professor_de_yoga.htm
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