YOGA:
PRINCÍPIOS E FINS
(sobre a responsabilidade do yogue com o bem comum)
(sobre a responsabilidade do yogue com o bem comum)
por Pedro Kupfer
Há
pessoas que são incapazes de lembrar que existe gente que sofre.
Assim, a melhor solução que concebem é ignorar por completo a dor
alheia, para não sofrer elas mesmas. Esse tipo de indiferença e
passividade, infelizmente, é visto com alguma frequência no meio do
Yoga.
O
presente texto pretende ser um convite para refletir sobre o tema,
olhando para o exemplo dos yogis de ontem e hoje, bem como
para, quiçá, reavaliar nossos princípios e fins: os valores que
pautam a nossa vida e o que pretendemos nela realizar. (...)
A
Mahōpaniṣad (VI:71) afirma que “o universo inteiro é de
fato uma família” (vasudhaiva kuṭumbakam). Se é
verdade que a Humanidade inteira descende de um ancestral ou um grupo
de ancestrais comuns, então qualquer coisa que afete qualquer
pessoa, afetará igualmente todas as demais.
Essa
afirmação sobre a unicidade da vida abrange não apenas a raça
humana, mas todas as formas de vida: todos os seres são
manifestações de Īśvara, o Ser ilimitado. Se isso faz sentido
então, de que vale a nossa felicidade quando sofrem aqueles que
estão ao nosso lado? Qual é a legitimidade das nossas conquistas
perante a necessidade ou a penúria dos nossos semelhantes? (...)
Como
é que alguém supostamente maduro e enraizado nos valores da
espiritualidade pode dormir tranquilamente à noite sabendo que não
fez sequer um pequeno esforço em prol de um mundo mais justo (...)?
Precisamos
descartar aquele cínico cliché que diz que o yogi estaria
“acima do bem e do mal”, e que se usa para justificar não apenas
a apatia e a indiferença em relação aos demais, mas igualmente
atitudes equivocadas de todo tipo e espécie.
Um
dos bordões mais equivocados e tristemente frequentes desse
relativismo moral é pensar ou dizer “Fulano fez aquilo pois essa é
a verdade dele”. Não há duas nem muitas verdades em
relação ao dharma: ou respeitamos o bem comum, ou o
atropelamos. Só para lembrar, dharma é compreender a maneira
em que desejamos ser tratados e estarmos dispostos a estender esse
mesmo tratamento a todos os demais. (...)
A
necessária reavaliação dos próprios princípios.
Portanto,
se faz sentido a conclusão de que quanto maior a consciência, maior
a responsabilidade, torna-se necessário numa certa altura olhar para
as nossas atitudes e valores de maneira construtivamente crítica. De
forma que possamos, se for o caso, identificar rasgos do nosso
caráter que possamos melhorar e outros que devamos neutralizar.
Por
exemplo, se percebemos que a passividade ou a indiferença tomaram
conta de nós, podemos considerar a possibilidade de deixar de lado
questões relativas ao egoísmo ou àquela forma autocentrada de
olhar para a vida na qual nosso umbigo é o centro do universo.
Aliás, tirar o próprio ego do centro das atenções costuma ser uma
maneira eficiente de transcender a identificação com os próprios
desejos e pensamentos. Isso nos ajuda a relativizar o que chamamos de
nossos problemas.
Ao
abrir os olhos para a realidade que nos circunda, estar disponíveis
para olhar para o outro e perceber a dimensão real do universo,
vemos quão pequenos são esses problemas, quão insignificantes são
as coisas que ocupam nosso pensar/sentir cotidiano. Isso, por sua
vez, nos ajuda a relativizar as dificuldades que possamos estar
atravessando e enxergá-las apenas como o que são: situações
tópicas inerentes aos papéis que representamos na vida.
Exemplos
de ontem, exemplos presentes.
Os
exemplos de vida que tivemos dos yogis da antiguidade, bem
como os que recebemos da presente geração, nos mostram que a regra
é uma postura social e política decididamente proativa na sociedade
em que se vive. Muitos dos yogis dos tempos védicos foram
conselheiros de reis e políticos, esclarecendo temas relativos ao
dharma e à justiça aos monarcas, apontando erros e soluções,
aconselhando, confortando e dando apoio onde fosse necessário. Os
governantes, por sua vez, retribuíam à sociedade mantendo o
mecenato, na forma da educação das novas gerações.
Desde
tempos imemoriais, os Āśrams, comunidades-mosteiros nos quais moram
yogis, foram centros não apenas para preservar a
espiritualidade e a cultura védica, mas igualmente lugares onde
sempre foram promovidos o progresso, a transformação social e a
educação. O típico Āśram das regiões rurais ou montanhosas da
Índia, por pequeno e humilde que seja, invariavelmente, mantém uma
escola, um posto de saúde, ou ambos.
Este
autor teve o privilégio de receber suas primeiras aulas de
alfabetização em sânscrito junto com crianças do primeiro grau
que estavam sendo alfabetizadas num desses Āśrams, na década de
1980. Assim, a disposição dos yogis para ensinar a
espiritualidade caminha sempre ombro com ombro com iniciativas para
compartilhar o conhecimento e dar, através de educação e saúde,
oportunidades para as populações carentes.
Um
desses exemplos que vem do passado é o do ṛṣi Gautama
Vājáśravasa, pai do célebre menino yogi Nachiketas, que
aparece na Kaṭha Upaniṣad. A pesar dele ser muito pobre,
faz o esforço de doar suas poucas vacas (símbolos de riqueza e
status na sociedade védica), em prol do bem comum.
Exemplos
recentes muito relevantes em relação à militância social e
política são os imortais Swāmi Dayānanda Sarasvatī, fundador do
Ārya Samāj e lutador pela abolição do sistema de castas, Śrī
Aurobindo, mestre do Yoga Integral e fundador de Auroville, e
Swāmi Vivekānanda, que trouxe o Yoga para o Ocidente mais de 120
anos atrás.
Todos
os três foram lutadores incansáveis pela independência da Índia
contra o império britânico. O primeiro morreu envenenado à mando
da Scotland Yard, polícia secreta inglesa. O segundo ficou anos
encarcerado, acusado de atos terroristas contra o império e depois
da independência se ocupou de construir um modelo de sociedade justa
e sustentável em Pondicherry. O terceiro ficou famoso por ter
atravessado o oceano para apresentar o Yoga ao Ocidente, mas é mais
célebre na própria Índia como um dos artífices da independência
daquele país.
E,
um exemplo vivo, da nossa era, é Swāmi Dayānanda Sarasvatī,
fundador do movimento AIM For Seva (www.aimforseva.org), que têm,
dentre outros objetivos, levar educação, saúde e equidade social
às populações tribais de regiões remotas da Índia. Mas Swāmi
Dayānanda não apenas se ocupa desses temas: ele é igualmente um
ativista que preserva a cultura, as artes e formas de vida
tradicionais hindus.
Finalizamos
assim esta reflexão invocando o svastipāṭha, mantra da
felicidade, tendo presente que ele não é apenas uma réstia de
lindas palavras alinhavadas, mas pede atitudes e ações práticas da
parte de cada um de nós, praticantes e estudantes de Yoga,
contemplando o bem comum:
Oṁ
svasti prajābhyaḥ paripālayantaṁ |
nyāyena mārgena mahiṁ mahīśāḥ |
gobrāhmaṇebhyaḥ śubhamastu nityam |
lokāḥ samastāḥ sukhino bhavantu ||
Oṁ śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ ||
nyāyena mārgena mahiṁ mahīśāḥ |
gobrāhmaṇebhyaḥ śubhamastu nityam |
lokāḥ samastāḥ sukhino bhavantu ||
Oṁ śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ ||
Oṁ.
Que o bem-estar na sociedade seja bem defendido.
Que os governantes caminhem na retidão e na justiça.
Que a sabedoria e o conhecimento sejam protegidos.
Que todos os seres, em todos os lugares, sejam felizes.
Oṁ. Paz, paz paz.
Que os governantes caminhem na retidão e na justiça.
Que a sabedoria e o conhecimento sejam protegidos.
Que todos os seres, em todos os lugares, sejam felizes.
Oṁ. Paz, paz paz.
Trechos extraídos do texto:
http://www.yoga.pro.br/artigos/1166/7/yoga-principios-e-fins
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