SOBRE A INUTILIDADE
Osho
Hui
Tzu disse a Chuang Tzu:
“Todo
o seu ensinamento se baseia no que não tem utilidade.”
Chuang
respondeu:
“Se
você não aprecia o que não tem utilidade, não pode começar a
falar do que pode ser útil.
A
terra, por exemplo, é ampla e vasta.
Mas
de toda a sua extensão, o homem utiliza apenas alguns centímetros
sobre os quais ele se mantém de pé.
Suponhamos
agora que você tire tudo o que na verdade ele não está usando.
De
modo que, em torno de seus pés, um abismo se abra, e ele fique de pé
no Vazio, sem nada sólido, a não ser o que se encontra debaixo de
cada pé:
Por
quanto tempo ele vai ser capaz de utilizar o que está usando?”
Hui
Tzu disse: “Deixaria de servir a qualquer propósito.”
Chuang
Tzu concluiu: “Isso mostra a necessidade absoluta do que não tem
nenhuma utilidade”.
A
vida é dialética, é por isso que não é lógica. Lógica
significa que o oposto é de fato oposto, e a vida implica o oposto
em si mesma. Na vida o oposto não é realmente oposto, é o
complementar. Sem ele nada é possível.
Por
exemplo, a vida existe por causa da morte. Se não houver morte não
pode haver vida. A morte não é o fim e a morte não é o inimigo –
em vez disso, pelo contrário, por causa da morte a vida torna-se
possível. Então a morte não está em algum lugar no final; ela
está envolvida no aqui e agora. Cada momento tem sua vida e sua
morte, caso contrário, a existência é impossível.
Existe
a luz, existem as trevas. Para a lógica eles são opostos, e a
lógica vai dizer: Se há luz, não pode haver escuridão; se estiver
escuro, então não pode haver luz. Mas a vida diz exatamente o
contrário. A vida diz: Se há trevas é por causa da luz, se há luz
é por causa das trevas. Podemos não ser capazes de ver o outro, mas
ele está escondido ao virar da esquina.
Há
silêncio por causa do som. Se não houver som, você pode ficar em
silêncio? O oposto é necessário como um pano de fundo. Aqueles que
seguem a lógica sempre erram, porque a sua vida torna-se
desequilibrada. Eles pensam na luz, então começam a negar a
escuridão; eles pensam na vida, então começam a brigar com a
morte.
Há tradição que diz que Deus é luz, não
é a escuridão. Não existe escuridão em Deus para essas pessoas
que acreditam que Deus é luz. Há outra tradição que diz que Deus
é escuridão – mas para eles não existe luz. Ambas estão
erradas, porque ambas são lógicas, negam o oposto. E a vida é tão
vasta, ela carrega o oposto em si mesma. Ele não pode ser negado,
tem que ser abraçado.
Uma
vez alguém disse a Walt Whitman, um dos maiores poetas já nascidos:
“Whitman, você continua se contradizendo. Um dia você diz uma
coisa, outro dia você diz exatamente o oposto.”
Whitman
riu e disse: “Eu sou vasto. Contenho todas as contradições.”
Só
as mentes pequenas são coerentes; quando mais estreita a mente, mais
coerente ela é. Quando a mente é muito vasta, ela envolve tudo –
a luz está lá, a escuridão está lá. Se você entender esse
processo misterioso da vida que se move através dos opostos, que é
dialético, em que o oposto ajuda, dá equilíbrio, dá o tom, serve
de pano de fundo, então você pode entender Chuang Tzu – porque
toda a visão taoísta é baseada na complementariedade dos opostos.
Chuang
Tzu diz que se você negar o inútil, então não haverá nada de
útil no mundo. Se você negar o inútil, o lúdico, a diversão, não
pode existir nenhum trabalho, nenhum dever. Isso é muito difícil. E
para as pessoas do mundo toda a ênfase está no útil.
Se
você olhar para uma porta, você verá as paredes. Se alguém lhe
perguntar de que uma casa é constituída, você vai dizer: de
paredes. Mas Chuang Tzu diria, assim como seu mestre Lao Tsé, que
uma casa não consiste de paredes, mas em portas e janelas. Sua
ênfase está em outra parte. Eles dizem que as paredes são úteis,
mas seu uso depende do espaço inútil por trás.
Um
quarto é um espaço, não paredes. Claro que o espaço é de graça
e as paredes têm que ser compradas. Quando você compra uma casa, o
que você compra? As paredes, o material, o visível. Mas você pode
viver no material? Você pode viver nas paredes? Você tem que viver
no quarto, no espaço vago. Você compra o barco, mas você tem que
viver no vazio.
Então,
na verdade, o que é uma casa? O vazio cercado por paredes. E o que é
uma porta? Não há nada. Porta significa que não há nada, nenhuma
parede, vazio. Mas você não pode entrar na casa se não houver
porta. Se não houver nenhuma janela, então o sol não vai entrar,
nenhuma brisa vai soprar. Você vai estar separado das fontes da
vida, e sua casa se tornará um túmulo.
Chuang
Tzu diz: Lembre-se de que a casa é constituída de duas coisas: das
paredes, o material – que vem do mercado, o utilitário – e do
vazio rodeado pelas paredes, o não utilitário, que não pode ser
comprado ou vendido, que não pode ser explorado, que não tem nenhum
valor econômico.
Como
você pode vender o vazio? Mas você tem que viver no vazio – se um
homem vive só nas paredes, ele vai enlouquecer. É impossível fazer
isso – mas nós tentamos fazer o impossível. Na vida, escolhemos o
utilitário.
Por
exemplo, se uma criança está brincando você diz: “Pare! O que
você está fazendo? Isso é inútil. Faça algo útil. Não fique
por aí, como um vagabundo.” Se você continuar insistindo com essa
criança, aos poucos você vai matar o inútil. Então a criança vai
se tornar apenas útil, e quando uma pessoa é simplesmente útil,
ela está morta. Você pode usá-la, ela é uma coisa mecânica
agora, um meio e não um fim em si mesmo.
Você
é realmente você esmo quando está fazendo algo inútil –
pintura, não para vender, apenas por prazer; jardinagem, apenas por
prazer; deitado na praia, sem fazer nada, apenas para desfrutar,
diversão inútil; sentado em silêncio ao lado de um amigo.
Muito
poderia ser feito nesses momentos. Você poderia ir até a loja, ao
mercado, você poderia ganhar alguma coisa. Você poderia organizar
seus extratos bancários, porque esses momentos não vão voltar. E
as pessoas loucas dizem que tempo é dinheiro – porque só conhecem
uma maneira de usar o tempo – como convertê-lo em mais dinheiro.
No final, você morre com um belo saldo bancário, mas por dentro
totalmente pobre, porque a riqueza interior só surge quando você
sabe apreciar o inútil.
O
que é meditação? As pessoas vêm até mim e dizem: “Qual é a
utilidade dela? O que vamos ganhar meditando? Qual é a vantagem
disso?”
Meditação...
e você pergunta sobre a vantagem? Você não pode entendê-la porque
a meditação é simplesmente inútil. No momento em que digo inútil,
você se sente desconfortável, porque toda a sua mente tornou-se tão
utilitária, tão orientada para a mercadoria, que você precisa de
um resultado. Você não pode admitir que algo possa ser um prazer
por si só.
Inútil
significa que você aprecia, mas não ganha nada com isso; você se
deixa absorver profundamente, isso lhe dá felicidade. Mas, quando
você está profundamente absorto, você não pode acumular essa
bem-aventurança, você não pode fazer dela um tesouro.
Sempre
que o mundo fica utilitarista demais, você cria muitas coisas, você
possui muitas coisas, você se torna obcecado pelas coisas – mas o
mundo interior está perdido, porque o interior pode florescer
somente quando não há nenhuma tensão externa, quando você não
está indo a lugar algum, apenas descansando. Então o interior
desabrocha.
Chuang
Tzu fala sobre um homem, um corcunda. Todos os jovens da aldeia eram
obrigados a entrar para o serviço militar, para o exército, porque
eram úteis. Apenas um homem, um corcunda, que era inútil, foi
deixado para trás. Chuang Tzu disse: “Seja como o corcunda, tão
inútil que não é morto na guerra.”
Ele
vive elogiando o inútil, porque dizem que o útil sempre estará em
dificuldade. O mundo vai usar você, todo mundo está pronto para
explorar você, para manipular você, para controla-lo. Se você é
inútil, ninguém vai olhar pra você, as pessoas vão se esquecer de
você, elas vão deixar você em silêncio.
Chuang
Tzu insiste muito nisso: Fique atento e não se torne muito útil,
caso contrário as pessoas vão explorá-lo. Então elas vão começar
a manipular você e você estará em apuros. E, se você pode
produzir coisas, irão forçá-lo a produzir durante toda a sua vida.
Se você puder fazer uma determinada coisa, se você for habilidoso,
então você não pode ser desperdiçado.
Ele
diz que a inutilidade tem sua utilidade intrínseca. Se você pode
ser útil para os outros, então você tem que viver para os outros.
Inútil, ninguém olha para você, ninguém presta atenção em você,
ninguém se incomoda com o seu ser. Você e deixado em paz. No
mercado você vive como se vivesse no Himalaia. Nessa solidão você
cresce. Toda sua energia se volta para dentro.
O
inútil é o outro aspecto do útil. Você só pode falar sobre o
útil por causa do inútil. É uma parte vital. Se você ignorá-lo
completamente, então nada será útil. As coisas são úteis porque
existem coisas que não inúteis.
Mas
isso aconteceu com o mundo. Eliminamos todas as atividades lúdicas,
pensando que, assim, toda a energia estará se movendo para o
trabalho. Mas agora o trabalho tornou-se um aborrecimento. A pessoa
tem que se deslocar para o polo oposto – somente então se sente
rejuvenescida.
O
dia inteiro você fica acordado, à noite você dorme – perdendo
tempo – e não é pouco tempo. Se você vive noventa anos, você
dorme durante trinta anos, um terço, oito horas por dia. Qual é a
utilidade disso?
O
que acontece depois de trabalhar o dia inteiro? Você dorme. O que
acontece? Você vai do útil ao inútil. É por isso que de manhã
você se sente tão revitalizado, tão vivo, tão leve. Suas pernas
parecem dançar, sua mente pode cantar, seu coração pode voltar a
sentir – toda a poeira do trabalho é espanada, o espelho está
novamente cristalino. Você tem uma clareza pela manhã. Como ela
vem? Ela vem por meio do inútil.
É
por isso que a meditação pode lhe dar os maiores vislumbres, porque
é a coisa mais inútil do mundo. Você simplesmente não faz nada,
você simplesmente fica em silêncio. É maior do que o sono porque
no sono você está inconsciente; por isso tudo o que acontece,
acontece inconscientemente. Você pode estar no paraíso, mas não
sabe disso.
Na
meditação, você se move conscientemente. Então você se torna
consciente do caminho: como passar do mundo útil de fora para o
mundo inútil interior. E se você sabe o caminho, você pode
simplesmente se voltar para dentro a qualquer momento. Sentado num
ônibus você não precisa ficar fazendo nada, você está
simplesmente sentado; viajando num carro ou trem ou avião, você não
está fazendo nada, tudo está sendo feito pelos outros, você pode
fechar os olhos e ir para o inútil, o interior. E de repente tudo se
torna silencioso, e de repente tudo ganha um frescor, e de repente
você está na fonte de toda a vida.
Mas
ela não tem valor no mercado. Você não pode vende-la, não pode
dizer: ‘Eu tenho uma ótima meditação. Alguém está disposto a
compra-la?” Ninguém vai estar disposto a compra-la. Não é uma
mercadoria, é inútil.
O
sutra diz:
Hui
Tzu disse a Chuang Tzu: “Todo o seu ensinamento se baseia no que
não tem utilidade.”
Chuang
respondeu: “Se você não aprecia o que não tem utilidade, não
pode começar a falar do que pode ser útil. A terra, por exemplo, é
ampla e vasta. Mas de toda a sua extensão, o homem utiliza apenas
alguns centímetros sobre os quais ele se mantém de pé. Suponhamos
agora que você tire tudo o que na verdade ele não está usando. De
modo que, em torno de seus pés, um abismo se abra, e ele fique de pé
no Vazio, sem nada sólido, a não ser o que se encontra debaixo de
cada pé: Por quanto tempo ele vai ser capaz de utilizar o que está
usando?”
Essa
é uma bela metáfora. Chuang Tzu foi ao "x" da questão.
Você está sentado aqui, está usando apenas um espacinho, de dois
por dois. Você não está usando toda a terra, toda a terra é
inútil, você está aproveitando apenas uma pequena porção, dois
por dois. Chuang Tzu diz: Suponhamos que toda a terra seja levada
embora, só esse espaço de dois por dois seja deixado para você.
Suponhamos que apenas isso lhe reste e toda a terra tenha sido
retirada – quanto tempo você vai ser capaz de usar essa pequena
parte?
Um
abismo, um abismo infinito, se abrirá em torno de você – você
vai ficar tonto imediatamente, você vai cair no abismo. A terra
inútil suporta o útil e o inútil é vasto, o útil é muito
pequeno. E isso é verdade em todos os níveis do ser: o inútil é
vasto, o útil é muito pequeno. Se você tentar salvar o útil e
esquecer o inútil, mais cedo ou mais tarde vai ficar tonto. E isso
aconteceu, você já está tonto e caindo no abismo.
No
mundo todo as pessoas pensam que têm um problema: acham que a vida
não tem significado, que parece sem sentido. Pergunte a Sartre,
Marcel, Jaspers, Heidegger – eles dize que a vida não tem sentido.
Por que a vida fica tão sem sentido? Nunca foi assim antes. Buda
nunca disse isso; Krishna podia dançar, cantar, se divertir, Maomé
podia orar e agradecer a Deus pela bênção da vida que ele derramou
sobre si. Chuang Tzu é feliz, tão feliz quanto possível, tão
feliz quanto um homem pode ser. Eles nunca disseram que a vida é sem
sentido. O que aconteceu com a mente moderna? Por que a vida parece
tão sem sentido?
A
terra inteira foi tirada e você foi deixado apenas com a parte onde
está em pé. Você está ficando tonto. A toda a sua volta, você vê
o abismo e o perigo; e você não pode usar a terra em que está de
pé agora, porque só poderá usá-la quando o inútil se juntar a
ela. O inútil deve estar lá. O que isso significa? Sua vida
tornou-se só trabalho e nenhuma brincadeira. A brincadeira é o
inútil, o grande; o trabalho é o útil, o trivial, o pequeno. Você
tornou a sua vida completamente cheia de trabalho. Sempre que você
começa a fazer algo, a primeira coisa que vem à mente é: qual é a
utilidade disso? Se houver alguma utilidade, você faz.
A
vida parece sem sentido, porque o significado consiste num equilíbrio
entre o útil e o inútil. Você negou o completamente inútil. Você
fechou a porta. Agora, apenas o útil está presente. O útil se
tornou um fardo, você está sobrecarregado demais por ele.
O
inútil deve estar presente. O útil é como um jardim, bem arrumado,
limpo; o inútil é como uma vasta floresta, natural, não pode ser
tão limpo e arrumado. A natureza tem sua própria beleza, quando
tudo está arrumado e limpo, ele já está morto. Um jardim não pode
ser muito vivo, porque você vai podá-lo, cortá-lo, administrá-lo.
Uma vasta floresta tem uma vitalidade, uma alma muito poderosa. Entre
numa floresta e você vai sentir o impacto; perca-se numa floresta e
você vai ver o poder que ela tem. Num jardim você não pode sentir
o poder; ele não está lá, o jardim é feito pelo homem. Você pode
olhar para ele – ele é cultivado, ele é administrado, manipulado.
Na
verdade, o jardim é uma coisa falsa – a floresta é a coisa
verdadeira. O inútil é como uma vasta floresta, e o útil é como
um jardim que você cultivou em torno da sua casa. Mas não vá
cortar a floresta. Não há problema, o seu jardim é bom, mas deixe
que exista uma parte da vasta floresta que não é o seu jardim, mas
um jardim de Deus.
E
você pode pensar em algo mais inútil do que Deus? Você pode usá-lo
de alguma forma? Esse é o problema; é por isso que não podemos
encontrar nenhum sentido em Deus. E aqueles que buscam muito o
significado das coisas tornam-se ateus. Eles dizem que Deus não
existe. Como pode existir um Deus, se Deus parece tão inútil? É
melhor deixa-lo de lado, e então o mundo é deixado por nossa conta,
para nós o gerirmos e controla-lo. Então podemos fazer do mundo
todo um mercado. Mas a inutilidade de Deus é a base de toda a
utilidade que existe.
Se
você puder brincar, o seu trabalho vai se tornar um prazer. Se você
puder se entregar a uma simples diversão, se você puder se tornar
como crianças brincando, seu trabalho não será um fardo para você.
Quando você entra na vastidão da inutilidade, sua alma se torna
grande.
Sem
Deus, o mundo não pode continuar mais. Deus é a vasta inutilidade.
O
mundo do homem é o mundo utilitário, o útil; sem o inútil, o útil
não pode existir. Deus é a brincadeira e o homem é o trabalho; sem
Deus, o trabalho fica sem sentido, um fardo a ser carregado. Deus é
a diversão, o homem é sério; sem a diversão, a seriedade vai ser
demais, será como uma doença. O oposto deve ser levado em conta, e
o oposto é maior.
Qual
é o propósito da vida? As pessoas continuam vindo e me perguntando.
Não há nenhum propósito, não pode haver. Ela é divertida, sem
propósito. Você tem que se divertir, você pode apenas se divertir,
não pode fazer mais nada a respeito.
Eu
lhe digo: o homem tem um ser que não é de forma alguma orientado
para um propósito. Esse ser (no homem) quer desfrutar sem causa e
sem razão. Esse ser quer ser feliz, simplesmente por nada.
A
vida em si não tem nenhuma utilidade. Qual é o propósito dela?
Aonde você vai? Qual é o resultado? Nenhum propósito, nenhum
resultado, nenhum objetivo – a vida é um constante êxtase, a cada
momento. Você pode apreciá-la, mas, se começar a pensar em
resultados, você para de apreciá-la, suas raízes são arrancadas,
você não está mais nela, você se tornou um estranho. Então você
vai perguntar sobre o significado, sobre o propósito.
Você
já observou que sempre que está feliz você nunca pergunta: “Qual
é o propósito da felicidade?” Quando você está apaixonado você
não pergunta “Qual é o propósito de tudo isso?”. Quando, de
manhã, ao ver o sol nascente e um bando de pássaros riscando o céu,
você já se perguntou: “Qual é o propósito disso”? Ao ver uma
flor que floresce sozinha à noite, enchendo a noite inteira com sua
fragrância, você já se perguntou: “Qual é o objetivo disso”?
Não
há nenhum propósito. O propósito faz parte da mente, e a vida
existe sem mente, por isso a insistência no inútil. Porque, se você
é ligado demais no útil, não consegue soltar a mente. Como você
pode soltar a mente se está procurando algum uso, algum resultado?
Você só pode soltar a mente quando percebe que não há um
propósito e a mente não é necessária. Você, então, pode
coloca-la de lado. É uma coisa desnecessária. Claro, se você for
ao mercado, leve-a com você. Se você se sentar na loja, use-a; é
um dispositivo mecânico, tal como um computador.
Sua
mente é um computador natural. Por que sobrecarregá-la o tempo
todo? Quando ela não for necessária, coloque-a de lado. Mas você
acha que ela é necessária, porque você tem que fazer algo útil.
Quem vai dizer o que é útil e o que é inútil? A mente está
constantemente classificando: Isto é útil, faça isso; isso é
inútil, não faça isso. A mente é o seu gerente. A mente
representa o útil. A meditação representa o inútil.
Passe
do útil para o inútil, e faça esse movimento de modo tão
espontâneo e natural que não haja luta, conflito. Torne-o tão
natural quanto entrar e sair de casa. Quando a mente for necessária,
use-a como um dispositivo mecânico; quando ela não estiver em uso,
quando não houver nenhuma utilidade para ela, coloque-a de lado e
esqueça-a. Então, seja inútil e faça algo inútil e sua vida será
enriquecida, e sua vida se tornará um equilíbrio entre uso e não
uso. E esse equilíbrio transcende ambos. Isso é transcendental –
não é nem uso, nem não uso.
“Por
quanto tempo ele vai ser capaz de utilizar o que está usando?”
Hui
Tzu disse: “Deixaria de servir a qualquer propósito.”
Chuang
Tzu concluiu: “Isso mostra a necessidade absoluta do que não tem
nenhuma utilidade”.
Mesmo
o útil não pode existir sem o inútil. O inútil é a base. Eu digo
a você, sua mente não pode existir sem a meditação, e, se você
tentar fazer o impossível, vai ficar louco. Isso é o que está
acontecendo com muitas pessoas. Elas ficam loucas. O que é a
loucura? A loucura é um esforço para viver sem meditação, de
viver apenas com a mente. A meditação é a base, nem mesmo a mente
pode existir sem ela. E se você tentar, a mente enlouquece, é
demais para ela. É insuportável. Um louco é um homem que é um
utilitário perfeito. Ele tentou o impossível, tentou viver sem
meditação.
Os
psicólogos dizem que, se você não puder dormir durante três
semanas, você fica louco. Por que? O sono é inútil. Se o inútil é
retirado, você fica louco. A loucura está crescendo a cada dia,
porque a meditação não é considerada algo valioso. Você acha que
só aquilo em que se pode fixar um preço é valioso? Só o que pode
ser comprado e vendido é valioso? Então você está errado. Aquilo
que não tem preço também é valioso. Aquilo que não pode ser
vendido e comprado é muito mais valioso do que tudo o que pode ser
comprado e vendido.
O
amor é a base do sexo. Se você for completamente privado de amor, o
sexo se torna pervertido. A meditação é a base da mente. Se você
negar a meditação, a mente enlouquece. A diversão, a brincadeira,
é a base do trabalho. Negue o divertimento e o lazer, e o trabalho
se torna um fardo, um peso morto.
Olhe
para o céu inútil. Sua casa pode ser útil, mas ela existe sob este
vasto céu de inutilidade. Se você puder sentir ambos e for capaz de
se mover de um para o outro sem nenhum problema, então pela primeira
vez o ser humano perfeito nasceu em você.
O
ser humano perfeito não sabe o que está dentro e o que está fora –
ambos são parte dele. O ser humano perfeito não se preocupa com o
que é útil e o que é inútil – ambos são suas asas. O ser
humano perfeito usa o que não tem uso. O ser humano perfeito voa no
céu com as asas da mente e da meditação, da matéria e da
consciência, deste mundo e do outro, de Deus, de nenhum Deus. Ele é
uma harmonia maior que extrapola e abrange os opostos.
Chuang
Tzu enfatizou muito o que não tem uso, o que não tem utilidade,
porque você enfatizou demais o útil. Caso contrário, a ênfase não
seria necessária. É só para lhe dar equilíbrio. Você tem pendido
muito para a esquerda, agora tem que ser puxado para a direita.
Lembre-se,
por causa dessa ênfase excessiva, você pode voltar a passar para o
outro extremo. E isso aconteceu com muitos seguidores de Chuang Tzu.
Eles se tornaram viciados no inútil, eles ficaram loucos com o
inútil. Eles se deslocaram demais para o inútil e esse não era o
objetivo – eles o perderam.
Chuang
Tzu enfatizava isso só porque você se tornou extremamente viciado
no útil. É por isso que ele enfatizou o inútil. Mas devo lembra-lo
– porque a mente pode se mover para o oposto e continuará na mesma
– que a única coisa real é a transcendência. Você tem que
chegar a um ponto em que pode usar o útil e o inútil, o propositado
e o não propositado. Então você estará além de ambos, ambos vão
servi-lo.
Há
pessoas que não conseguem se livrar da mente e há pessoas que não
conseguem se livrar da meditação. E lembre-se de que a doença é a
mesma: a de você não conseguir se livrar de alguma coisa. Primeiro
você não conseguia se livrar da mente, de alguma forma você
conseguiu. Agora você não consegue se livrar da meditação. Mais
uma vez você passa de uma prisão para outra.
Um
homem perfeito, de verdade, um homem do Tao, não tem vícios. Ele
pode passar facilmente de um extremo ao outro, porque ele permanece
no meio. Ele usa as duas asas.
Chuang
Tzu não deve ser mal interpretado, é por isso que eu digo isso. Ele
pode ser incompreendido. Pessoas como Chuang Tzu são perigosas, você
pode entendê-las erroneamente. E há mais possibilidade de um
mal-entendido do que de compreensão. A mente diz: “Ok, vou dar um
basta nesta loja, nesta família, agora vou me tornar um vagabundo.”
Isso é um mal-entendido. Você vai levar a mesma mente, você vai se
tornar viciado em sua nova condição, de vagabundo. Então você não
será capaz de voltar à loja, ao mercado, à família. Então você
vai ter medo.
Assim,
a meditação, como um remédio, pode tornar-se uma nova doença, se
você ficar viciado nela. Então, o médico deve se assegurar que ver
se você ficou curado da doença, mas não ficou viciado no remédio
– caso contrário ele não é um bom médico.
Eu
ouvi: o Mulá Nasruddin estava ensinando seu filho de sete anos de
idade como abordar uma garota, como convidá-la para dançar, o que
dizer e o que não dizer, como convencê-la.
Depois
de meia hora, o menino chegou e disse: “Agora me ensine como me
livrar dela.”
Isso
também tem que ser aprendido, e é a parte mais difícil. Convidar é
muito fácil, mas livrar-se é muito mais difícil.
Para
mim, o homem está num equilíbrio profundo, ele está no meio, livre
de todos os opostos. Ele pode usar o útil e pode usar o inútil, ele
pode usar o que tem propósito e o que não tem propósito, e ainda
permanece além de ambos. Ele não é usado por eles. Ele se tornou
um mestre.
Basta
por hoje.
Osho,
In: TAO - Sua História e Seus Ensinamentos, Cultrix, 2005.
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