Sempre pensei em como são parecidas a postura do Yoga chamada “Sirsasana” (invertida sobre a cabeça) e a carta do Tarot de Marselha chamada “O Pendurado".
Sirsasana,
a posição invertida sobre a cabeça, é seguramente um dos asanas
mais desafiantes na prática yóguica. Salvo as sempre possíveis
exceções, acredito que, não só eu, mas a grande maioria dos
praticantes iniciados sente dificuldade em executar o Sirsasana, uma
vez que o nosso corpo não está inteiramente programado para essa posição e
que aprendemos desde cedo, pela cultura racionalista em que estamos
inseridos, que é preciso “botar a cabeça no lugar” e “não
perder a cabeça”, “deixar os pés no chão”, significando
manter a mente racional no controle da vida.
Meu interesse pelo tema se deveu, principalmente, à dificuldade pessoal de ficar com o corpo invertido. Lembro-me que, quando criança, dava cambalhotas, mas não me lembro de “plantar bananeiras” ou “dar estrelas”. Pelo contrário, nessa parte da brincadeira, eu ficava apenas observando, tentava, mas o pulo saía pela metade, sem ficar totalmente de cabeça para baixo e, desistindo, passava logo para um outro entretenimento. Curiosamente, só resgatei essa lembrança quando comecei a prática de Yoga, pois nunca, em meu cotidiano de adulta, fui solicitada objetivamente para que meu corpo invertesse, literalmente falando.
Meu interesse pelo tema se deveu, principalmente, à dificuldade pessoal de ficar com o corpo invertido. Lembro-me que, quando criança, dava cambalhotas, mas não me lembro de “plantar bananeiras” ou “dar estrelas”. Pelo contrário, nessa parte da brincadeira, eu ficava apenas observando, tentava, mas o pulo saía pela metade, sem ficar totalmente de cabeça para baixo e, desistindo, passava logo para um outro entretenimento. Curiosamente, só resgatei essa lembrança quando comecei a prática de Yoga, pois nunca, em meu cotidiano de adulta, fui solicitada objetivamente para que meu corpo invertesse, literalmente falando.
Ao
me deparar com o Sirsasana no Yoga e ao saber que esta era uma
postura presente no yoga que eu teria que praticar, fiquei
angustiada. Voltou-me um medo esquecido, que estava inconsciente por
muito tempo. Mas, junto com esse processo, também percebi a
possibilidade de elaborar aquelas sensações e, a partir da
consciência delas, a oportunidade de buscar um entendimento pessoal
sobre o que está por detrás do ato de inverter, organicamente,
simbolicamente, psiquicamente.
Sirsasana
é uma postura complexa, que envolve o equilíbrio e a força
muscular - sobretudo dos ombros, braços e costas, e músculos
abdominais, que desempenham um papel central na sua execução.
Porém, como qualquer outra postura de Yoga, abrange uma ativação
da consciência de dimensões mais internas, psíquicas e
energéticas. A posição vertical, pés plantados no chão,
comumente, nos passa uma ideia de ação, atividade, controle,
segurança, estabilidade. De normalidade. Podemos ir a qualquer lugar
com nossos próprios pés. Enquanto isso, a posição invertida nos
dá a sensação de vulnerabilidade, de instabilidade, inatividade,
desarrumação. De anormalidade.
Visualmente,
Sirsasana é o mesmo homem pendurado da carta 12 do tarô, e, acredito
que, simbolicamente, também é possível pensar algumas relações.
A
carta 12 do Tarot de Marselha apresenta um moço que está
dependurado de cabeça para baixo, amarrado por um pé a uma forca,
cujos postes são árvores truncadas, cada uma das quais com seis
cotos que sangram onde os galhos foram podados. O homem suspenso
observa o mundo de cabeça para baixo. As mãos
estão atrás do corpo, e não sabemos se estão presas ou não, mas
sugere uma postura em que o rapaz não possui poder para
moldar sua vida nem controlar seu destino. O rapaz não possui poder
pessoal, está submetido a uma força superior a ele.
Segundo a estudiosa do Tarot, Sallie Nichols, à primeira vista, a figura do Pendurado pode parecer indefesa, mas, após uma
observação mais cuidadosa, pode-se perceber que sua
expressão não manifesta sofrimento, poderíamos até sugerir que ele parece estar meditando. Pode querer dizer, também, um novo olhar sobre uma
determinada situação, uma alteração de comportamento, o abandono
de hábitos; uma atitude de recuar para poder avançar;
abandonar a tirania do controle mental sobre as situações.
Porém,
quando o Yoga começou a se integrar em minha vida, e com ele, as posturas invertidas, minhas impressões e sensações com a carta do Pendurado, e, com as posturas invertidas, também foram se modificando.
Ficar
de cabeça pra baixo, surpreendentemente, surgiu como uma experiência
que podia ser agradável pra mim. Obviamente, não aconteceu de uma
hora para outra.
Comecei,
então, a vivenciar um conjunto de experiências com essa postura. No
início, o mais claro era o medo. Ficar pouco tempo na postura;
perceber a mente trabalhar incessantemente, numa ansiedade de
pensamentos e fantasias psíquicas como despencar da corda, cair no
chão, quebrar o pescoço, como se quebra um galhinho de árvore
fazendo um ‘trec’, “perder a cabeça”. Foram esses os
primeiros pensamentos. Mas em seguida, essa postura também me trouxe
uma outra surpresa: a de que sentia meu corpo mais forte, firme, ativo e
não passivo como aparecia nas fantasias. Compreendi que também
não era o caso de deixá-lo duro, rígido, porque assim, também
não conseguia equilíbrio.
Após
fazer essa familiarização corporal, começaram outros tipos de
sensações e interesses na postura. Instigou-me uma curiosidade de
olhar tudo de cabeça pra baixo. E era apenas nisso que fixava minha
atenção. Mas assim, também perdia o equilíbrio.
Essa
sensação passou a ser mais íntima, isto é, passou a ser um
‘sentir’, sem precisar olhar para as coisas, como antes. Da mesma
maneira que o Pendurado, que vê as coisas de cabeça pra baixo, eu aprendi a ver o mundo a minha volta com outros olhos, sob ângulos diferentes. Pois, enquanto nós não experimentamos ver tudo invertido, tendemos que achar que há apenas uma única maneira de ver o mundo ao nosso redor. E, por esse ponto de vista, ver a vida "de cabeça para baixo" é uma experiência transformadora.
Referência Bibliográfica:
Nichols, Sallie. Jung e o tarô - uma jornada arquetípica. SP: Editora Cultrix, 1980.
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