RIOS JUNTOS
por Profa. Eliane Oliveira - 24/08/19
"Vou
cair". É o que me dizem alunos novos, experimentando pela
primeira vez as cordas do yoga Kurunta. Então, eu ouço o corpo.
Tudo o que ele diz. Que sim e que não. Com muito carinho, cuidado e
atenção. Quando ele diz que não, é não. Eu o acolho, como a uma
criança (como também, por vezes, acolhi e acolho a mim mesma), e
lhe digo (como, por vezes, me disse e me digo): "Calma, fica
calmo. Está tudo bem. Faz só uma vez. E, se der, faz duas, faz
três. Quando der, faz cinco, faz dez. E, se não der, está tudo
bem!". Ele confia. Aos poucos, confia. Em si mesmo. Finalmente
se entrega, sem perceber que se entregou. Quando não confia e não
se entrega (há vezes em que o medo de si toma profundezas não
conhecidas), tudo bem também. Não há lugar nenhum a se chegar a
não ser aqui e agora, a que não se chega: se é. Mergulhar no que
se é, é o caminho. E, é disso que se precisa ter coragem. De
mergulhar no que se é.
Por
outro lado, após o chamado à calma, preciso voltar às palavras do
aluno. Não posso não enxergar a luz que dali irrompeu. É ouro. Ao
que creio, aquilo que sabe dentro de nós, fala-nos nas entrelinhas.
Inspira-nos (leva-nos para dentro) para depois expirar-nos (levar-nos
para fora). Repito, então, o que me disseram e estimulo-os a ouvir
de uma maneira mais simbólica a sua própria fala: “Vou cair”.
Quanto simbolismo há inscrito no corpo! O corpo disse: "Vou
cair". Quanto aprendizado ele nos ensina em sendo ele mesmo.
Tememos cair, perder o controle, perder as forças, sair da linha,
errar a dose, ter pouco para dar, dar muito sem limite, sentir dor,
quebrar a cabeça, escorregar, dar de cara no chão, ficar pra trás,
fazer errado, ser incompleto. Que olhos são esses que nos vigiam e
nos punem numa enorme pressão de composturas? Isso é o que nos
contrai em contraturas. Cair, perder, ruir, fracassar, machucar.
Errar. Desalinhar. Exagerar. Indo assim, um dia, a panela vai
estourar, se essa dor de andar em linha reta não se encurvar. Como é
isso na sua vida?
Então,
do "vou cair", surgem variações mais divertidas. A
gargalhada é uma delas. O corpo, posto em formas inesperadas,
surpreende-se com a descarga energética acionada com o movimento de
si mesmo. E ele ri. Ri espontaneamente. Só ri. Como se ali houvesse
um riso esperando para ser rido, doido para manifestar o que foi
calado e contido. Ele ri porque treme, porque sacode, porque
desperta, vê e reconhece a presença de mais alguém além daquele
"ego controlador" que pensava (temia e também, no fundo,
queria) que “ia cair", “despedaçar-se”, “diminuir-se”,
“ridicularizar-se”, "perder-se". O corpo balança. Que
esquisito! Ele balança. A partir do riso e do estranhamento de si
que não se conhecia, em geral, surge uma iluminação: “mesmo
parecendo que vou cair, posso não cair", "e, se cair, o
que é que tem cair?", "se cair, posso não me machucar",
“se me machucar, não vou morrer”. Na sequencia, “ah, deixa eu
cair!”. O corpo ri. Ri de como é preso. De como é medroso. De
como é bobo. Ri de si mesmo. Diante da sua insegurança, agora sabe
que é seguro. Ele ri e eu rio junto. Rios juntos. 🕉️Fluimos!
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